Resolvi escrever este texto
porque venho trabalhando na comunidade da Barra de Mamanguape há quase dois
anos. Não sou bióloga, nem ecóloga, tampouco engenheira florestal, cientista
agrária, nada disso. Meu trabalho é com o bicho homem. Desenvolvo pesquisa em
inclusão e letramento sociodigital. Em 2010, ingressei no mestrado em
Linguística, na Universidade Federal da Paraíba, e desenvolvi um projeto de extensão
acadêmica, cuja temática foi justamente a questão da inclusão e do letramento
digital das dezenas de famílias de pescadores artesanais da Barra de
Mamanguape. O trabalho desenvolvido pelo Projeto
Pescadores Online foi extremamente árduo e desafiador, tendo em vista o complexo
diagnóstico levantado na região, junto aos moradores e demais lideranças locais.
Sabe-se que a vila está inserida numa Área de Preservação Ambiental e que
também abriga a sede do primeiro projeto de conservação do peixe-boi marinho no
Brasil. Além dos órgãos ambientais, a área onde se encontra a comunidade também
abriga usinas de cana-de-açúçar, comunidades indígenas, pescadores artesanais,
carcinicultores, produtores rurais, pesquisadores universitários, ou seja, um
vasto universo de interesses pode ser claramente observado nesta região. Não
bastasse esse complexo cenário onde encontramos diversos jogos de interesses, minha
pesquisa mostrou que a maioria da população das comunidades que estão inseridas
na área de influência da APA vive em estado de exclusão social e informacional,
sendo as práticas de leitura e de escrita pouco frequentes e marcadamente
locais. Isso significa que a maior parte dos moradores não tem acesso a
qualquer tipo de informação, senão aquela transmitida pelas antenas parabólicas
e pelas rádios locais. Até pouco tempo, a comunidade não contava com acesso à
internet, o que significa que a grande maioria dos habitantes encontrava-se em
estado de analfabetismo digital. Sendo a sociedade do século XXI uma sociedade
pautada nos meios de comunicação digital e sendo a informação o centro dessa
sociedade, há de se admitir que o mundo encara hoje um novo desafio: a
infoinclusão. Acesso à informação é direito de todos, educação é direito de
todos, participação social é direito e dever de todos. O Projeto Pescadores Online surge para preencher essa lacuna, ou
seja, vem agregar conhecimento aos moradores da comunidade da Barra de
Mamanguape para que eles possam se inserir efetivamente na sociedade em que
vivem e, consequentemente, poder transformá-la. Letrar digitalmente significa
oferecer condições e ferramentas para que as pessoas tenham mais acesso às
práticas de leitura e de escrita em ambiente virtual. As práticas de letramento
são práticas sociais mais amplas que envolvem o uso da língua escrita. Quando
pensamos num projeto de letramento para os pescadores da Barra, procuramos
conhecer as práticas de letramento dos moradores, entender de que maneira eles
tinham acesso à informação e que tipo de informação chegava até eles. Buscamos
mapear seus acervos de leitura a fim de compreender a relação dessas pessoas
com o mundo das letras. O que leem? Para que leem? O que escrevem? Para que escrevem?
A pesquisa realizada durante o meu mestrado buscou comparar as práticas de
letramento de um dos monitores do Telecentro
Pescadores Online antes e depois da chegada da internet na comunidade. Além
disso, busquei analisar o projeto de extensão através da perspectiva do próprio
participante. Os resultados poderão ser conferidos na minha dissertação, que
estará disponível em breve. Mas de modo geral, posso afirmar que o projeto de
extensão provocou transformações não apenas no modo como o participante se
relaciona com a escrita, mas principalmente no modo como ele enxerga e
participa do mundo ao seu redor a partir do uso frequente da leitura e da
escrita em seu cotidiano. Vale salientar que uma das principais características
dos projetos de letramento é justamente a compreensão de que práticas letradas
são práticas socialmente situadas, ou seja, os projetos devem sempre partir de
uma temática de interesse coletivo da comunidade para estimular atividades de
aprendizagem envolvendo a língua escrita. Diante
disso, concluo da seguinte maneira: provocar discussões sobre temáticas que
envolvem a comunidade é um dos objetivos do Projeto
Pescadores Online. Partir dessas discussões para desenvolver atividades
letradas é nosso compromisso. E estimular o desenvolvimento da cidadania dos
pescadores da Barra através de práticas letradas é nossa missão. Assim, a
problemática em torno da morte de três peixes-boi no cativeiro da Paraíba é
assunto de interesse da comunidade e eles merecem e devem ser respeitados. Em
outras palavras, eles devem e merecem ser ouvidos, bem como participar dos
processos de investigação, seja de forma direta ou indireta. Isso se chama
democracia. Sem contar que o conhecimento popular é parte integrante do
conhecimento acadêmico e deve sim ser levado em conta. É por esse motivo que
estamos buscando informações e tentando estimular a comunidade para cobrar
resultados, afinal não é apenas o peixe-boi que vive das águas do rio
Mamanguape, mas toda a população em seu entorno. Seja qual for a causa-mortis,
por favor, informem e trabalhem coletivamente com a comunidade dos pescadores
para que outros problemas possam ser evitados.
Por Thais Garcia
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Seu comentário foi enviado para avaliação do administrador. Obrigada!