segunda-feira, 16 de julho de 2012

Educar é transformar


Resolvi escrever este texto porque venho trabalhando na comunidade da Barra de Mamanguape há quase dois anos. Não sou bióloga, nem ecóloga, tampouco engenheira florestal, cientista agrária, nada disso. Meu trabalho é com o bicho homem. Desenvolvo pesquisa em inclusão e letramento sociodigital. Em 2010, ingressei no mestrado em Linguística, na Universidade Federal da Paraíba, e desenvolvi um projeto de extensão acadêmica, cuja temática foi justamente a questão da inclusão e do letramento digital das dezenas de famílias de pescadores artesanais da Barra de Mamanguape. O trabalho desenvolvido pelo Projeto Pescadores Online foi extremamente árduo e desafiador, tendo em vista o complexo diagnóstico levantado na região, junto aos moradores e demais lideranças locais. Sabe-se que a vila está inserida numa Área de Preservação Ambiental e que também abriga a sede do primeiro projeto de conservação do peixe-boi marinho no Brasil. Além dos órgãos ambientais, a área onde se encontra a comunidade também abriga usinas de cana-de-açúçar, comunidades indígenas, pescadores artesanais, carcinicultores, produtores rurais, pesquisadores universitários, ou seja, um vasto universo de interesses pode ser claramente observado nesta região. Não bastasse esse complexo cenário onde encontramos diversos jogos de interesses, minha pesquisa mostrou que a maioria da população das comunidades que estão inseridas na área de influência da APA vive em estado de exclusão social e informacional, sendo as práticas de leitura e de escrita pouco frequentes e marcadamente locais. Isso significa que a maior parte dos moradores não tem acesso a qualquer tipo de informação, senão aquela transmitida pelas antenas parabólicas e pelas rádios locais. Até pouco tempo, a comunidade não contava com acesso à internet, o que significa que a grande maioria dos habitantes encontrava-se em estado de analfabetismo digital. Sendo a sociedade do século XXI uma sociedade pautada nos meios de comunicação digital e sendo a informação o centro dessa sociedade, há de se admitir que o mundo encara hoje um novo desafio: a infoinclusão. Acesso à informação é direito de todos, educação é direito de todos, participação social é direito e dever de todos. O Projeto Pescadores Online surge para preencher essa lacuna, ou seja, vem agregar conhecimento aos moradores da comunidade da Barra de Mamanguape para que eles possam se inserir efetivamente na sociedade em que vivem e, consequentemente, poder transformá-la. Letrar digitalmente significa oferecer condições e ferramentas para que as pessoas tenham mais acesso às práticas de leitura e de escrita em ambiente virtual. As práticas de letramento são práticas sociais mais amplas que envolvem o uso da língua escrita. Quando pensamos num projeto de letramento para os pescadores da Barra, procuramos conhecer as práticas de letramento dos moradores, entender de que maneira eles tinham acesso à informação e que tipo de informação chegava até eles. Buscamos mapear seus acervos de leitura a fim de compreender a relação dessas pessoas com o mundo das letras. O que leem? Para que leem? O que escrevem? Para que escrevem? A pesquisa realizada durante o meu mestrado buscou comparar as práticas de letramento de um dos monitores do Telecentro Pescadores Online antes e depois da chegada da internet na comunidade. Além disso, busquei analisar o projeto de extensão através da perspectiva do próprio participante. Os resultados poderão ser conferidos na minha dissertação, que estará disponível em breve. Mas de modo geral, posso afirmar que o projeto de extensão provocou transformações não apenas no modo como o participante se relaciona com a escrita, mas principalmente no modo como ele enxerga e participa do mundo ao seu redor a partir do uso frequente da leitura e da escrita em seu cotidiano. Vale salientar que uma das principais características dos projetos de letramento é justamente a compreensão de que práticas letradas são práticas socialmente situadas, ou seja, os projetos devem sempre partir de uma temática de interesse coletivo da comunidade para estimular atividades de aprendizagem envolvendo a língua escrita. Diante disso, concluo da seguinte maneira: provocar discussões sobre temáticas que envolvem a comunidade é um dos objetivos do Projeto Pescadores Online. Partir dessas discussões para desenvolver atividades letradas é nosso compromisso. E estimular o desenvolvimento da cidadania dos pescadores da Barra através de práticas letradas é nossa missão. Assim, a problemática em torno da morte de três peixes-boi no cativeiro da Paraíba é assunto de interesse da comunidade e eles merecem e devem ser respeitados. Em outras palavras, eles devem e merecem ser ouvidos, bem como participar dos processos de investigação, seja de forma direta ou indireta. Isso se chama democracia. Sem contar que o conhecimento popular é parte integrante do conhecimento acadêmico e deve sim ser levado em conta. É por esse motivo que estamos buscando informações e tentando estimular a comunidade para cobrar resultados, afinal não é apenas o peixe-boi que vive das águas do rio Mamanguape, mas toda a população em seu entorno. Seja qual for a causa-mortis, por favor, informem e trabalhem coletivamente com a comunidade dos pescadores para que outros problemas possam ser evitados.
Por Thais Garcia

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